O Olhar
Olho, olho, olho... Mas mesmo assim não consigo ver tudo a que me predispus ver.
Dessa vez encaro seus lábios enquanto fala. Consigo entender tudo que diz mesmo sem ouvi-la.
Não ouço porque neste momento não ouço mais nada. Sinto meu corpo, mas me sinto distante. A voz que ouço não é mais a dela. É a de um passado, ou um futuro, mas não é o meu presente.
Mesmo assim ela fala. E ri. Riu também, sem saber qual a graça. Mas seus olhos dançam quando seus lábios sorriem. Acho que todo o mundo para de girar só pra me manter neste momento. Ao retornar a seu giro, sinto lágrimas em meu rosto. Ri tanto que elas me escaparam... Paro de rir, mas elas continuam a escorrer, cada vez mais livremente. Não, não, NÃO!
Corro para me esconder. Não gosto que me vejam chorar. Pareço fraca e frágil. Coisa que sei que não sou. Sei mesmo?
Volto! Todos me olham e sussurram entre sim. Inegável dizer que não chorara. É perceptível! Ela me olha... Droga! Todos, menos ela. Pare de me olhar! Grito com todo o ar que me resta. Mas esse grito só machuca a mim mesma. Nenhum som foi emitido.
Sento e, como para me distrair, começo a brincar com meus cabelos que insistem em não se manter em um rabo-de-cavalo. Evito olhá-la porque sei que me olha também. Sob seu olhar me sinto nua. Ele me despe todo o fingimento e encontra bem lá no fundo um segredo que tanto protejo, mas que sei que transparece em mim.
Sinto seu olhar me invadindo, procurando em mim a confirmação do que já sabe. Todos sabem. Só eu evito pensar. O pensar me sufoca... Ela vence as barreiras que ponho para que desista de procurar. Por favor, desista! Mas ela procura... Sinto minha nudez completa se aproximando. Calça, camisa - Não... Não! - Tênis, meias - Pare! Pare...
Encolho-me na minha mais completa fragilidade. Já não controlo minhas lágrimas. Já não tenho coragem de encará-la.
Agora ela sabe.
Volto pra casa tentando me esconder das pessoas que me apontam dedos e me julgam pela minha aparência deplorável. Todos sabem... Como se fora o próprio Quasimodo tendo como única companhia suas gárgulas. Sei que estou um trapo. Sinto-me como um. Essas gárgulas são meus sonhos, ou o que resta deles. A realidade sempre me pareceu distinta, distante. Pedaços de minha morte. Só os sonhos me acompanham. Em meus sonhos tenho forças.
Sonhos... Que se esvaem aos poucos. Tento, em vão, segurá-los.
Balões!
Quê?!
Balões...
Sonhos... Os meus sonhos são como balões. Seguro-me neles e eles me fazem voar. Conheço o mundo, navego por mares "nunca dantes navegados". Fecho os olhos e sinto a brisa a me beijar o corpo. Alheia em meus devaneios, nem vejo a criança inoportuna, com um sorriso lhe emoldurando o rosto, a estourar meus sonhos. Novamente a realidade... Mas o que seria real? quem pode me julgar por querer buscar uma realidade que mais se molde aos meus ideais? O objetivo final é a felicidade.
Quem ela pensa que é pra me invadir dessa maneira? Não me conhece, não a conheço. No entanto, sabe meu segredo. Sinto-me mais ligada a ela do que a qualquer um de meus amigos.
Ela sabe.
Mas o que sabe?
Sabe que no fundo não sei quem sou. Que me escondo sob grossas camadas. Que eu sou o meu segredo. Sou-me uma icógnita. Sou-me razão de minhas dúvidas e meus tropeços. Sou a que mais ignoro e por ignorar, desconheço. Tudo isso ela me grita com o olhar. Tudo isso eu me grito para que enfim perceba. Ao descobri-lo, forçou-me encará-lo. E vi que estando viva, estava morta e na morte encontrei forças para lutar por esta vida quase perdida.
Achei-a.
(...)